ILÍDIO MARTINS
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Ilídio Martins
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PORTUGUÊS DESCEU O RIO AMAZONAS
© Ilídio Martins/Luso-Americano

"Ao fluir das águas, juntava-se a corrente da minha emoção. Era a existência plena, no infinito tempo e espaço. A realidade fantástica dum sonho, que foi alimento e vida. Doce cavalgada para as raias do sublime".

Parecem ter sido estas as principais razões que o levaram a descer o Rio Amazonas, das montanhas geladas do Perú a Belém do Pará, uma aventura em que à partida tinha uns escassos seis a sete por cento de hipóteses de saír com vida. Munido de uma forte determinação, Alfredo Nascimento, que este mês completou 48 anos, decidiu, aos 36 anos, e sem qualquer apoio, concretizar um sonho antigo de criança, e ao mesmo tempo tentar provar que o Amazonas não é só o mais caudaloso mas também o maior rio do mundo.

Jornalista, então a trabalhar na "Voz de Portugal", do Rio de Janeiro, Alfredo Nascimento parece ter ficado definitivamente marcado, na sua juventude, por autores brasileiros que escreveram sobre a região do Amazonas, particularmente por livros como "A Selva", de Ferreira de Castro.

Enfrentando um sem número de perigos, alguns dos quais lhe iam custando a vida - dos índios antropófagos aos remoínhos do rio, do jaguar aos guerrilheiros do Sendero Luminoso -, Alfredo Nascimento percorreu um total de 7.149 quilómetros, entre Setembro de 1979 e Fevereiro de 1980, depois de ter estudado minuciosamente a história e geografia locais.

Actualmente a residir nos Estados Unidos, em Newark, Alfredo Nascimento cumpriu o serviço militar obrigatório em África, na Guiné, entre 1964 e 1969, no departamento de fotografia e cinema, onde parece ter conquistado o gosto pela aventura e pelo risco.

Começando a escrever aos 17 anos, para a Agência Portuguesa de Revistas, Nascimento passou por publicações como o "Diário" (Moçambique), "Estado de São Paulo", "Correio do Planalto", "Fatos e Fotos" (Brasil) e pela revista "Opção" (Portugal), tendo feito ainda trabalhos como "free lancer" para as revistas "Gente" (Portugal) e "Vistazo" (Equador).

Enfim, currículo bastante para escrever "Da Nascente à Foz do Amazonas - Uma viagem Fantástica", um livro agora dado à estampa que conta essa "viagem impossível" pelo Amazonas e que serviu de pretexto para uma conversa com o seu autor.

DA ROTINA PARA A AVENTURA
- Como surgiu a ideia de descer o Rio Amazonas?
- Eu diria que houve dois factores determinantes. O primeiro era um sonho que me acompanhava desde criança. Todos nós ficámos fascinados com aqueles livros de aventuras - não vale a pena enumerar agora os títulos - e houve um que me cativou particularmente. Foi "A Selva", de Ferreira de Castro, que dá umas fortes pinceladas sobre o que é a vida no Amazonas. Houve outros autores também, igualmente brasileiros, como Guimarães Rosa e Euclides da Cunha. Eu diria que este foi o primeiro factor. O segundo foi de natureza profissional, meramente profissional e até mais forte. É da condição humana termos sonhos, alimentar os sonhos e morrer com esses mesmos sonhos. Mas desta vez concretizou-se. O aspecto determinante - digamos assim -, foi o de trabalhar há vinte anos em jornalismo, e achar que não tinha feito nada que me merecesse a mim mesmo a condição de jornalista. Tinha trabalhado dentro dos padrões normais, fazendo o que os editores achavam que devia fazer, apesar de ser autónomo em muitas publicações - como para a revista "Gente", para o jornal a "Voz de Portugal", do Rio de Janeiro, para a revista "Vistazo", do Equador, enfim, para uma série de publicações. Mas, como sabe, em último caso temos que "alinhar" no "diapasão" da publicação. Então surgiu uma oportunidade de fazer uma coisa diferente.

SETE POR CENTO DE HIPÓTESES DE SOBREVIVER
- Apesar do lado profissional que viu nessa viagem, não teve qualquer tipo de apoio da imprensa.

- Não. Eu trabalhava na "Voz de Portugal", do Rio de Janeiro, onde tinha a incumbência de fazer uns cadernos dos Estados. A determinado momento propus ao presidente - também proprietário - esse trabalho. Fazer o percurso do Rio Amazonas, desde a nascente até à foz. A proposta foi aceite com entusiasmo, mas quando o presidente foi consultar as companhias de seguros foi informado que a percentagem de sobrevivência era mínima. Era de seis a sete por cento, o que tornou inviável qualquer apoio. Então, o proprietário do jornal propôs-me, em último caso, fazer a viagem à minha conta e risco, e depois vender o material à empresa. Assim foi. Vendi os meus "tarecos" - que não eram muitos - lá no Rio - vivia em Copacabana, uma área de que gosto muito e que fui recordar há pouco tempo -, e fui, como se costuma dizer, com o "couro e o cabelo". Apanhei o comboio em São Paulo para Corumbá, de Corumbá para Santa Cruz de La Sierra, já na Bolívia - o chamado "trem da morte" -, subi até Cocha Bamba, na Bolívia, e cheguei ao Lago Titicaca, o lago mais alto do mundo. A partir daí apanhei o comboio até La Raya, e depois comecei a fotografar e a anotar os mínimos detalhes. Fui um dia a pé, praticamente, até que em Quitanis, a 430 quilómetros de La Raya, já pude ir na minha jangada. Foi aí que comecei a sentir pela primeira vez a verdadeira "força" do rio, que ali ainda se chama Urubamba.
 
PREPARAR A GRANDE AVENTURA
- Que tipo de documentação reuniu antes de se meter nessa viagem? Tinha ideia dos locais por onde ia passar, onde devia começar?

- Sim. Eu tinha visitado três outras nascentes, que alguns autores consideravam - cada um a seu modo - nascentes do Amazonas, as águas mais longínquas do Amazonas, a nascente original do Amazonas. Curiosamente, os livros didácticos americanos, talvez porque essas nascentes estão bem mais curtas, isto é, significam uma distância inferior para o Rio Amazonas, apontam o Nilo como o principal rio do mundo. Mas há os livros da América do Sul que já apresentam outras teses, inclusivé essa de que será mesmo o Rio Amazonas o maior do mundo. De forma que visitei, "in loco", essas nascentes, e andei pelos arquivos, bibliotecas, organismos oficiais, pesquisando, documentando-me o melhor possível. Já perto da fase final consegui umas credenciais de alguns órgãos oficiais do Peru, mas devo dizer-lhe que isso de nada me valeu. Aconselho os meus colegas jornalistas a não incorrer nessa ingenuidade, porque, às vezes, isso até acarreta problemas como, por exemplo, ter que responder a interrogatórios do tipo "o que é que vem aqui fazer, porquê esta área", porque, na verdade, aquelas áreas estão controladas pelo narcotráfico, ou, melhor dito, estavam. Tanto faz ser o homem que anda a limpar as ruas como o presidente da Câmara. Está tudo sob controle. Qualquer estranho é sujeito a observação, muito mais um jornalista.

"VI PEDAÇOS DE CORPOS HUMANOS DESPEDAÇADOS"
- Quando se documentou tinha, à partida, plena consciência do risco, dos perigos que iria correr?

- Em primeiro lugar, os nove anos de África foram de uma ajuda incalculável para a ideia desta viagem. Ao constatar, em teoria, os perigos que iria enfrentar, posso dizer-lhe hoje que eles se cifraram em vinte por cento dos perigos reais que depois enfrentei, ou, pelo menos, que senti. Jamais poderia admitir, de uma forma antecipada, calculada, que a jangada não tivesse, por centímetros, entrado num remoínho, naquela "bocarra", onde mais à frente vi pedaços de corpos humanos despedaçados. Eu vi que as pessoas ficavam arrepiadas quando lhes disse que ia passar em Pongo de Mainique, onde estão as quedas, onde todo o caudal do Rio se abate e entra em infernais remoínhos. Foi aí, justamente, que fui parar a um desses remoínhos, ao de maiores dimensões, e onde a jangada não entrou porque era maior do que o sugadouro (canais subterrâneos). Portanto, e respondendo concretamente à sua pergunta, eu não tinha uma noção concreta dos perigos que iria enfrentar. Mas há também outro aspecto. A determinada altura da minha viagem estava completamente adaptado às circunstâncias, e as dificuldades já não eram tão sentidas como no primeiro mês. 
- Como reagiram a sua família e os seus amigos quando souberam desta "viagem louca"?
- De formas muito diferentes e distintas. Aqueles que me conheciam sabiam bem que eu sempre tive propensão para a aventura - ou para algo diferente - já desde criança. Deram-me acolhimento. Ainda hoje recebo cartas das minhas sobrinhas - que têm doze e treze anos, e na altura tinham três e quatro - a falarem-me do Amazonas, do tio no Amazonas, etc. Acho que, se outra razão não houvesse, esta satisfação pessoal já foi um bom prémio.

NAS MÃOS DOS CANIBAIS
- Qual foi o episódio mais dramático porque passou?
- Eu diria que foi aquele em que os canibais fizeram uma roda, em que eu pensei que estava nos segundos finais da minha existência. Chegaram, inclusivé, a pôr o arco e a flecha em posição, pronto a disparar. De repente, desataram às gargalhadas. Passou-se exactamente na chamada selva alta, numa região de que não se tinha quase conhecimento nenhum, e onde estão aquelas tribos mais agressivas, como os jívaros. Foram exactamente os jívaros - soube mais tarde -, foi essa tribo que me fez essa cena. Talvez que só quisessem apenas divertir-se com a minha figura, e o facto de não possuir qualquer arma, nem sequer um simples canivete, me tenha salvo a vida. Eles são pessoas com um conhecimento perfeito do seu "habitat", do seu meio ambiente, e têm a percepção de quem vai apenas por querer ir, em paz, de viagem, e de quem vai para usurpar o seu território, as suas coisas, e, às vezes, até parte das suas famílias. Mesmo agora no Brasil há denúncias de que pessoas aparentemente interessadas em preservar a selva amazónica cometem muitas coisas indevidas, como abusar de algumas indígenas. Mas, e retomando o episódio, ia na minha jangada, e, de repente, via-a crivada de flechas, uma das quais atada a um fio de juta (espécie de junco). Os indígenas puxaram, com grande alarido, a jangada para a margem, e apanharam-me. Levaram-me para uma palhota, para as cabanas deles, e começou o festim. Isto era quase fim de tarde, e festa prolongou-se até talvez por volta das quatro da manhã.

PRONTO PARA O CHURRASCO
- Mas porquê a festa? Foi devida à sua chegada?

- Eu presumi que sim, porque eles fazem todo um ritual que eu já conhecia, e soube mais tarde que eles começam por amputar os membros da pessoa até que a põem em posição de churrasco, e depois comem-na com uma degustação incrível. Só tive a percepção de que seria isto que estou a contar - isto é hipotético, uma vez que não nos podíamos comunicar (eles só gritavam e bebiam muito uma bebida feita de raízes que se chama marsato e ahuasca, uma bebida muito forte) - quando cheguei a Manaus, dois meses depois deste episódio, e tive conhecimento de que tinham comido cinco brancos da FUNAI (Fundação Nacional do Índio). Soube que os indígenas fizeram dois ataques a esses elementos e mataram cinco. Tive a sorte de entrevistar um sobrevivente de um desses massacres, que me contou detalhadamente como é que eles fizeram esses assados. Mas, voltando à história dos canibais, do mesmo modo que me apanharam, com aquela algazarra toda, um deles agarrou-me pela mão, como quem agarra uma criança, e levou-me pelo trilho na selva até à jangada. Mas, antes disso acontecer, aí umas duas horas antes, os indígenas dividiram-se em dois grupos, pareceu-me que antagónicos. Um quereria que eu ficasse por lá e outro não quereria. O certo é que o resultado final foi esse. Deixaram-me ir embora, pensando que a qualquer instante se viesse a repetir a cena. A partir daí, com um desgaste físico e psicológico tremendo, fui indo num remanso - o sítio tinha águas quase paradas, dando a impressão que estavam paradas.

COMO ESCAPOU ÀS GARRAS DE UM JAGUAR E AOS GUERRILHEIROS DO 'SENDERO LUMINOSO'
Outro episódio dramático foi o do jaguar. Começou a acompanhar-me pela margem, e um vez chegou a encolher-se - suponho que era para saltar para a jangada. Soube mais tarde que ele se sentiu agredido com as remadas, porque, segundo pessoas entendidas na fauna, o jaguar, também chamado tigre amazónico, tinha bastante caça, pelo que não haveria razão para ele estar com fome. Porque o jaguar ataca quando se sente agredido ou quando está faminto. E depois em Letícia. Aí foram questões ideológicas, não porque eu tenha manifestado qualquer tendência religiosa. Foi um episódio com os guerrilheiros do Sendero Luminoso. Naquela zona, guerrilha e narcotráfico está tudo mesclado. Não se sabe quem é quem nisso, ou se um só elemento representa as duas situações. Fui preso. Apanharam-me a fotografar o lugar onde eles estavam, a fotografar os hidroaviões - eles têm um aparato tecnológico que nem a trinta por cento as autoridades conseguem fazer frente (aviões, helicópteros, lanchas rápidas, etc.). Foi numa altura em que estava tudo calmo, em que eu já ia a fazer turismo pelo rio. Vi um avião baixar e fui acompanhando o movimento dele, de uma forma muito ingénua, até que senti um objecto frio nas costas e vi um sujeito com uma carabina. Perguntou-me o que andava ali a fazer e levou-me para um lugar onde se encontravam outras pessoas, todas armadas. Havia uma área onde estavam cobras, de muitas espécies, e ameaçou jogar-me nessas cobras. Apelei. Disse que era um turista que estava ali simplesmente a fazer umas fotos para o meu roteiro de viagem. Aí vieram com outro tipo de respostas - que turismo era para burgueses, que aquele sítio precisava de revolucionários e não de turistas, etc.
- Alguma vez pensou desistir?
- Pensei. Simplesmente eu não podia mais desistir a partir daquelas quedas mais acentuadas. A partir daí não podia saír do leito do rio. As margens são completamente compactas, densíssimas, e devido à ferocidade dos animais. A única hipótese que tinha naquela altura era continuar viagem.

FUGIR POR SER OBRIGADO A CASAR
- Fala no livro que recusou um casamento. Conte lá isso.

- Isso foi ainda antes de iniciar a viagem, nas margens do Lago Titicaca. Só mais tarde é que soube porquê. São os núcleos tribais, os líderes, que elegem o pretendente para a noiva. Atingida uma certa idade - acho que é 16 anos -, a rapariga fica disponível para o casamento. Depois fica à espera de arranjar o pretendente adequado, que pode até já estar escolhido há anos. Naquele caso não havia noivo para três raparigas. Então os líderes escolheram-me a mim para casar com uma delas.
- E como é que se desenvencilhou desse imbróglio?
- Fugi durante a noite, pelos montes. Só tinha duas alternativas: fugir ou casar. Era obrigado a casar. Eles não queriam saber, certamente, como era a minha cultura, os costumes. Fui escolhido e tinha que casar. No início pensei que era uma brincadeira. Por sinal até era uma rapariga bonita, mas a ideia não era realmente casar.
- No fundo, o que é que pretendeu com essa viagem? Provar alguma coisa si próprio?
- No fundo, foi isso mesmo. Foi a consumação desses dois sonhos de que falei há bocado. Um sonho muito pessoal e um sonho profissional. Acho que isso me deu um certo apego para outros projectos.

SEM COMIDA A PARTIR DO QUARTO DIA
- De que é que se alimentava? Muniu-se de comida antes da viagem?

- Inicialmente, muni-me de rações como bananas, peixe assado, arroz, tudo isso envolto em folhas de bananeira, que era uma maneira de manter os alimentos mais frescos possível. Mas logo ao fim de uns três ou quatro dias perdi tudo. A água "varreu" a jangada e fiquei sem nada. Depois comecei a apanhar os peixes do rio. Naquelas partes mais baixas podia apanhá-los com a mão. Estripava-os, punha-os ao sol a secar, e depois assava-os. Isso foi num período que ainda não tinha possibilidade de recorrer às populações indígenas. Os menos hostis acabam por fornecer mandioca ou milho, aquelas culturas de subsistência que eles têm. Depois as missões, já naquela parte menos crítica do percurso, acabam por dar-me sempre qualquer coisa, sempre na base do peixe, que abunda naquelas áreas. Depois, já talvez a um mês de viagem, já podia comer outras coisas, como carne de gado bovino, filetes de um peixe muito gostoso chamado "bacalhau tropical".

PASSEI TANTA FOME QUE JÁ NÃO TINHA QUALQUER VONTADE DE COMER
- Alguma vez passou fome?

- Passei, diversas vezes. Houve três e quatro dias que não comia. A determinada altura já não podia apanhar os peixes, porque entretanto o rio já tinha piranhas, e eu receava o pior desses peixes - que são carnívoros e não admitem o aproximar das pessoas, e muito menos um derramamento de qualquer líquido que lhes provoque o apetite. Depois houve uma altura em que passei tanta fome que já não sentia qualquer vontade de comer. Isso aconteceu-me talvez ao fim de oito nove dias. Encontrei depois uma família de indígenas, numa canoa, e fiz-me entender, através de gestos, através da minha precária situação - tinha uma figura esquelética -, que queria comer. Levaram-me à missão dos dominicanos, que a estava a um dia, mais abaixo, onde me deram comida e me trataram - eu estava cheio de feridas - e onde fiquei uns dez dias para recuperar, deitado, com assistência das irmãs religiosas, que tinham instruções de primeiros socorros. Mas a parte mais interessante nesta história foi o facto de ao fim de uns três ou quatro dias não ter mais a sensação de fome. Entrei num estado que se chama inanição, tanto mais que tive que sofrer as inclemências do sol.

'A VIDA NÃO VALE NADA SE NÃO LEVARMOS POR DIANTE AQUILO QUE GOSTAMOS DE FAZER'
- Afirmou, em entrevista a um jornal brasileiro, que pretende voltar no próximo ano. Quis dizer exactamente o que? Repetir tudo de novo?

- Não será a mesma viagem. Será um trabalho mais abrangente, isto é, extra-rio. Dá-se conta, através da leitura do meu livro, que a narrativa se prende muito com o rio, embora com pequenas pinceladas extra-curso do rio. Mas, como dizia, pretendo abarcar todo o processo amazónico num futuro trabalho, que vai ser imediato, já no próximo ano.
- Vai voltar a descer o rio?
- Vou descer partes do rio. Vou ter que, lá mesmo, nas regiões, saber as áreas que não representem um perigo grande. Porque se representarem apenas perigo, eu vou. Vou porque a vida não vale nada se não levarmos por diante aquilo que gostamos de fazer e que achamos que devemos fazer. Acho que a nossa vida se valoriza quando posta ao serviço de causas, pelo menos ao serviço das nossas causas que consideramos dever levar por diante, embora as nossas causas sejam para serem julgadas pelos outros. Acho que não tem cabimento eu estar a dizer que vou dar cumprimento a uma causa que interessa a a, b, c. Acho que isso não se ajusta à minha maneira de ser. Portanto, eu quero fazer, uma vez mais, partes do percurso, partes do Rio Amazonas, e incursionar por aquela selva.
- Pelas partes mais perigosas? Porquê?
- Sim. Inclusivé para ter mais pertinência o trabalho. Falam agora muito da extinção de certas tribos. Eu quero ver como é que está isso. Quero ver até que ponto o trabalho dos organismos oficiais do Brasil não é demagógico, até que ponto corresponde a uma realidade. Porque o povo brasileiro é enganado muitas vezes por uma doutrina oficial, o que não acontece só ali, infelizmente. Mas esse povo, que é um povo bom, merece ser informado.

'A MINHA FORMA DE SENTIR FICOU MAIS HUMANA'
- O que é que mudou na sua vida? O que é que mudou na sua maneira de estar e de sentir depois dessa aventura?

- A minha forma de sentir acho que ficou muito mais humana. Houve uma certa mudança no meu "feeling", na forma de encarar certos aspectos, e também nasceu um outro respeito e consideração pelas populações nativas, nomeadamente naquele aspecto em que as populações são exploradas e não são ajudadas. Eu diria que os governos - e quando falo em governos quero dizer os amazónicos, os que têm áreas amazónicas (casos do Peru, da Bolívia, da Venezuela, do Brasil, etc.) - vão lá sacar os recursos naturais daquelas áreas, e deixam os indígenas entregues à sua sorte. Um aspecto também muito curioso é o facto de as populações da área brasileira estarem muito mais conscientes, mais escolarizadas - sobretudo os jovens. É uma viagem para se fazer outra vez. 

LIVRO DVAI SER PUBLICADO EM DOIS PAÍSES
- Fale-me sobre o livro.

- O livro foi o epílogo de tudo isto que estivémos aqui a falar. Em termos técnicos, parece que está bem impresso. A expansão dele está a ser aguardada com uma certa expectativa, embora haja contrato de publicação para pelo menos dois países. Eu gostaria de realçar um aspecto que foi uma surpresa para mim. Como sabe, todo o texto que entra numa editora sofre todo um processo de revisão, que vai desde uma primeira leitura até à revisora, a uma outra leitura, etc. Esse texto não sofreu alteração absolutamente nenhuma. Foi apenas cortado um parágrafo, simplesmente porque tinha desaparecido uma página e era necessário dar seguimento à história. Fiquei surpreendido e, conversando isso com o editor, uma pessoa com larga experiência neste campo -, disse-me que a questão foi devidamente equacionada, analisada, e verificaram que não havia nada a tirar nem a pôr. "Você podia pôr muito mais, mas deixemos isso para um próximo". Foi esta a resposta à questão que eu lhe pus.

A GRANDE AVENTURA NO LIVRO "DA NASCENTE
ATÉ À FOZ DO AMAZONAS - UMA VIAGEM FANTÁSTICA"

"Antes de começar a minha viagem pelo rio Amazonas, devendo partir da sua nascente, nos Andes, não houve uma única pessoa acreditando que eu pudesse chegar ao seu termo, no oceano Atlântico.
Mas há momentos na nossa vida que se impõem como decisivos. Achei que, finalmente, também para mim, tinha chegado a hora da grande decisão: ficar ou partir? Viver resignadamente a rotina na redacção do jornal, ou jogar numa só cartada todos os meus sonhos e expectativas? Poderia perder. E se ganhasse?"

Começa assim o livro de Alfredo Nascimento, "Da Nascente à Foz do Amazonas - Uma Viagem Fantástica", publicada este ano pela Editorial Nórdica, do Rio de Janeiro, livro que viu já os direitos de publicação adquiridos para mais dois países.
Como facilmente se adivinha pelo título, trata-se de um livro que nos conta a aventura de um homem que um dia decidiu pôr em prática um sonho de muitos anos, mais exactamente a descida do Amazonas, muitos milhares de quilómetros desde a sua mais longínqua origem até à foz.

Com uma lucidez e uma sensibilidade invulgares, Alfredo Nascimento conta-nos como escapou da morte às mãos dos canibais, de ser comido por um jaguar, e de como, por um triz, não foi engolido por um dos muitos remoínhos desse imenso caudal de vida e de morte.

É um livro que nos conta a história dos povos e das gentes que vivem o rio como vital para a sua existência, histórias reais de gente real que vive entregue à sua sorte e quase parada no tempo.

É, por último, uma história que nos conta uma aventura que deixou marcas profundas no seu autor, vivas e inamovíveis, uma história fantasticamente real onde a vida e a morte se cruzam e confundem e se esbatem no mar da indiferença.

"O pesadelo deve ter consumido toda a minha dose de adrenalina daquele dia porque, durante os mais variados acidentes com a jangada, não consegui ir além da indiferença. Familiarizava-me com os remoínhos e a dançar sobre eles, temendo mais os remansos do que as corredeiras e os choques contra as rochas. Comecei a ter uma simpatia toda especial por aqueles sete troncos da balsa, a despeito de ameaçarem desconjuntar-se a qualquer momento.
Quando a correnteza, exausta das suas próprias correrias, se permitia longos trechos de calmaria, surgia à superfície, provocadas pelo temporal, pequenas ondulações que chegavam a confundir-me a respeito da direcção das águas. Nessas situações sentia-me mais integrado naquela jangada açoitada pelo vento/ e sem aparente rumo/ vivia-me fugaz como o tempo/ e pelo microcosmo disperso como fumo."

Não Sei Porque Fui Dos Escolhidos Para Viver e Outros Foram Escolhidos Para Morrer - Joe Salgado, vice-presidente do Lar dos Leões de New Jersey, estava nas Twin Towers no fatídico dia 11 de Setembro.

Saramago e Eu - Crónica integrada num 'dossier' a propósito do Nobel da Literatura a José Saramago.

Português Desceu o Rio Amazonas - Entrevista com o autor do livro "Da Nascente à Foz do Amazonas - Uma viagem Fantástica". Alfredo Nascimento, o autor, fala do livro e das experiências únicas que viveu desde as montanhas geladas do Perú até ao Brasil.

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